sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O CRAQUE

Foi uma infância feliz! Umberto nasceu e cresceu na mesma rua, em um bairro próximo ao cemitério municipal e a três quarteirões de um início de favela chamada Morro dos Macacos. A mais bela praça se estendia por toda a extensão frontal do cemitério e era lá que as crianças do bairro e da favela se juntavam para brincar. A inocência era a base do sorriso, a simplicidade o aconchego de um abraço, apenas crianças, pobres, felizes, sem preocupações e vivendo da forma mais plena a perfeição de uma fase da vida.
“Umberto!”, gritava Júlio. Era o melhor amigo a chamar no portão para mais uma aventura! Quem sabe, talvez, para repetir o feito de construir outro carrinho de rolimã “original”, como daquela vez que usaram cadeira de praia para confeccionar um e, ao testarem, a mesma ficou sem fundo, pois durante o trajeto e atrito com o asfalto o pano dela rasgou levando junto o short de Júlio, deixando a bunda do garoto esfolada e à mostra! Kkkkk! Quanta diversão, quanta alegria, “quanta” tudo! Pois não faltava nada.
Era um grupo grande de crianças. Apesar de a favela possuir apenas alguns poucos barracos derivados de famílias que realmente não possuíam recurso algum de estar em local melhor. Reuniam-se todas as noites para jogar futebol na praça do cemitério. “Umberto!”. Ao sair pela porta para mais um jogo, se Júlio tivesse estampado no rosto o belo sorriso da amizade, Umberto sabia que o amigo tinha algo para compartilhar, biscoito recheado dado pela mãe, talvez?!
Espírito de equipe e união norteavam todos os jogos. Não havia briga, mas o talento de Júlio com a bola era um fenômeno que sempre despertou uma saudável inveja e certa tensão nas pessoas no momento do “dois ou um” para a escolha do jogador, afinal, todos o queriam no time levando a bola no pé como se fosse um chinelo, dando chapéu no adversário como se seus pés fossem mãos! Umberto? Bom, este ia no gol, rs.
Dois ou um! Droga! Quem você quer? Eu escolho O craque. E ia Júlio para o lado que todos almejavam ir a partir de então.
Muitos anos se passaram. A pequena favela já não é tão pequena e não possui apenas famílias sem opção de escolha. O grupo de amigos dispersou, cada um seguiu o caminho que escolheu. Umberto e Júlio ainda moram próximos, mas não se falam mais, pois Júlio o ignora.
Umberto cresceu, comprou uma empresa, depois se formou, escolheu psicologia.
Júlio cresceu, trabalhou vários anos em uma grande empresa, próximo a se formar em farmácia, abandonou tudo e escolheu o craque.
A bela praça, embriagada de maravilhosas lembranças, continua lá! Exaltando o cemitério que um dia testemunhou tudo, vislumbrou um craque e hoje, pelo craque, o aguarda.

2 comentários:

  1. boa história...tão igual a tantas pelo interiozão de SP...mas tem uma cara de "autorretrato"...rs

    bom saber que tomou gosto pelo blog...

    abração e bom fim de semana

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  2. Adoro "causos" assim. É "estória" com um "Q" de "história".
    Já estou esperando o próximo post, hem??
    Parabéns! Bjs

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