quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

DESDOBRAMENTO


A estória a seguir foi um sonho, intenso, longo, real... Foi doloroso e, por isso, relutei em escrevê-lo. Talvez pareça confuso em algum momento e, por certo, será mesmo: A confusão mental que eu sentia. Uma amiga disse que eu tive um “desdobramento espiritual”. Considerei conveniente intitulá-lo dessa forma.

Desdobramento

Eis que acordei em uma boate, em uma mesa, separado da multidão que dançava freneticamente na parte inferior... Minha cabeça girava, sentia muita tontura e um mal estar típico de quem acordara com ressaca. Estava sentado à mesa com três belas moças e, por mais que eu me esforçasse para reconhecê-las, não conseguia! No entanto, a moça loira de coque me passava muita confiança, parecia-me familiar, mesmo assim, não me recordava dela.

Tentei levantar da mesa e rapidamente elas evitaram o ato dizendo: “Calma Daniel, você não está bem”. O fato de elas saberem o meu nome era um indicativo de que eu não havia dormido ali por um acaso, logo, devia fazer parte daquele grupo... Apenas não sabia como tinha chego lá e, realmente, não me lembrava de ter bebido, tão pouco ao ponto de não lembrar com quem estava. Pedi para que me trouxessem água, a sede só não era mais perturbadora que a maldita sonolência.

Logo após saciar aquela sede descomunal, notei que, ao longe, um homem vinha em nossa direção gritando e apontando para a nossa mesa. Eu não entendia o que ele dizia, mas não sabia se era devido ao som alto ou se ele falava outra linguagem. O fato é que ele se excedeu tanto que foi retirado por brutamontes seguranças assim que se aproximou de nossa mesa.

As moças demonstraram grande preocupação e rapidamente fomos retirados da boate pelos fundos, orientados por outros seguranças. Quando saíamos, fui colocado no banco traseiro de um enorme carro preto e, ao olhar pelo vidro, vi quando os seguranças jogaram para fora o homem que tentara nos agredir no recinto. Ao notar que éramos nós que evadíamos do local, ele sacou rapidamente uma arma. Três tiros foram disparados. Uma das balas estilhaçou o vidro traseiro e... Tudo ficou escuro.

Eu não havia sido atingido. Quando acordei, observei que estávamos em uma estrada estreita, escura, onde só podíamos ver o que os faróis iluminavam. Notei que a condutora estava sonolenta e me propus a assumir o volante, tendo sido concedido após aprovação com o olhar da loira de coque que estava no banco do passageiro. A motorista encostou o carro, descemos para a troca, mas fiquei em estado de alerta constante, sempre com a sensação de que estava sendo observado. Ao assumir o volante, fui orientado: “Basta seguir o GPS”.

Dirigi por horas e horas, o sol foi surgindo entre as montanhas, uma leve névoa se formava entre as gigantescas árvores ao redor da pista... Pouco antes do amanhecer estávamos entrando em uma bela cidade, de arquitetura futurista, muito clara e populosa. Aos chegarmos ao centro da cidade, notei que conhecia o coreto daquela praça, mas estava diferente, como se o tivessem ampliado e reprojetado, mas sem mexer em sua estrutura original. Seria possível que eu estava na minha cidade natal? Enfim tive a confirmação que era minha cidade ao passar por uma velha casa próxima ao centro, era a Senhora Amália debruçada na janela a observar o movimento. Mas (como e) o que havia acontecido com a cidade?

O GPS apontava para eu entrar em um enorme edifício, todo de vidro prateado, lindo, majestoso... Desci uma infindável rampa em forma de caracol até que chegamos a um amplo salão. As moças desceram e dirigiram-se firmes até a única porta do local, vestindo jalecos brancos. Por não conseguir alarmar aquele carro “diferente”, fiquei para trás.

Quando abri a porta me deparei com um corredor comprido, piso brilhante, muitos vidros espelhados e portas, muitas portas. Adentrei a primeira porta e deparei-me com uma imagem chocante! Eram muitas pessoas em macas! Estavam estáticas, entubadas, com soros, máscaras de oxigênio... Pensei: Que crueldade é essa? Um senhor em uma das camas me notou, sem forças para falar, visivelmente debilitado, estendeu a mão com dificuldade como se pedisse ajuda. Fui até ele e segurei-lhe a mão no intuito de passar-lhe alguma segurança, mostrar que não estava sozinho... Mas algo muito estranho aconteceu!

Aquele senhor abatido, de olheiras profundas e respiração dificultosa começou a corar novamente, suas olheiras foram esmaecendo, seus lábios retomaram a cor e, num movimento retirando sua máscara de oxigênio, disse em alto e bom tom: “Obrigado”. Com o susto tomado, soltei sua mão instantaneamente e corri em busca das moças que ali haviam me deixado. Eu angustiava por respostas!

Após passar por muitas portas, sempre com o mesmo cenário de filme de terror, encontrei-as em uma ampla sala no fim daquele corredor. Dirigi-me à moça de coque, afinal, pelos indícios ela deveria ser a superiora no local. Perguntei-lhe “O que é isso aqui? Por que essas pessoas estão em macas e entubadas? Por que EU estou aqui?”. A moça se aproximou e, vendo a angústia em meu olhar, disse: “Trouxe você de volta para fazer valer todo o sacrifício de nosso pai, Daniel”. Sem entender absolutamente nada – não fazia sentido - disse a ela que estava enganada, pois eu não era seu irmão! Disse a ela que eu possuía quatro irmãos, mas de um família humilde, de cortadores de cana... Ela me olhou profundamente nos olhos e disse “você morreu”. Fiquei alguns segundos pasmo, tentando processar tal informação.

Me passando toda a confiança nas palavras ela me disse: “Nosso pai foi um brilhante cientista, nos criou a partir de seu gene para um bem maior. Na época, indignados com a possibilidade de uma criança não ter direito à uma vida normal, sequestraram você e deixaram na porta de uma família em uma fazenda. Esta família registrou você como deles e nosso pai nunca te encontrou. Você viveu uma vida normal até ter sido vítima de uma fatalidade no percurso de sua existência. Mesmo sem reagir foi baleado em um assalto e não resistiu”. Irritado, gritei a ela “MAS EU ESTOU AQUI!ESTOU VIVOO!”. De maneira simples e direta ela disse “Você é um clone! Não foi fácil chegarmos até seu paradeiro e, infelizmente, tarde. No entanto, utilizamos de nossa engenharia para recriá-lo, mas não sabíamos se ou o quanto suas memórias o acompanhariam. Na tentativa de recriar o último local que você viu, o levamos para despertar na boate. Foi ali que você morreu e, ali, despertou novamente para a vida”.

Eu morri. Morri duas vezes, pois ESTAVA MORTO ALI! Mãe... Pai... Quanta dor, quanta angústia! Corri... Corri muito! Não fui impedido. Subi aquela rampa aos prantos, sem ar, sem nada... Lembranças de uma infância feliz, de muitos amigos, dos irmãos, sobrinhos... Todos mortos. As lágrimas me afogavam... A saída! A cidade! Continuei a correr. O coreto do jardim estava ali, mas realmente não era o mesmo. Ar! Precisava de ar! Queimava-me o peito, queimava-me a alma “Por que Deuuus?”.

Foi quando me dei conta de que eu havia passado pela Dona Amália ao entrar na cidade. Dirigi-me rapidamente ao sobrado e eis que a encontro no segundo andar, na janela como sempre, e meu pulmão enche-se, de esperança. Grito “Dona Amália, pelo amor de Deus me ajude, por favor!”. Lágrimas engoliam minhas palavras. Ela fez um gesto com a mão para que eu a esperasse e desceu as escadas laterais. Quando chegou bem próximo, vi que não era ela, mas alguém muito semelhante. Ela me disse “De que você me chamou? Amália? Esse era o nome da minha bisavó”. Realmente a bisneta parecia-se muito com ela, fisionomia, cores de roupas, cabelos e o estranho hábito de ficar na janela. O gene realmente carregava informações de gerações a gerações. Pedi desculpas àquela senhora e sai sem muitas explicações, afinal, o que eu diria? Voltei rapidamente ao prédio onde estava aquele tipo de clínica, mais do que nunca precisava de respostas!

Ao chegar à clínica, a moça me aguardava - sentada e calma. Aproximei-me e, agitado, perguntei “Você me disse que eu tinha que fazer valer o trabalho de nosso pai, por isso me trouxe de volta, o que é?”. Ela levantou-se devagar, foi até um vaso com uma delicada planta próximo de uma coluna que sustentava a sala, tirou sua luva e tocou a planta. Eu não podia acreditar no que meus olhos me mostravam! A pequena planta cresceu majestosamente e envolveu rapidamente toda a coluna!

Fiquei em choque. Após alguns segundos de pura confusão mental me reestabeleci, olhei para ela e disse “Por Deus, você tem um dom!”. Ela me olhou e, com um sorriso singelo, me disse “Não Daniel, nosso pai me fez assim, assim como você! Você também tem um dom e é por isso que lhe trouxemos de volta, para terminar o que nosso pai começou. Sozinha eu não consigo.”. Admirado com a afirmação, exclamei “Não. Eu não tenho nenhum dom.”.

Firmando-me o olhar, com toda a convicção ela disse “VOCÊ É A CURA PARA O CÂNCER”.